
Vejo-o. E ele é realmente uma criatura abismal! É tudo aquilo que imagina ser em oportunas alucinações! Um monstro horroroso com face de porcelana e língua afiada. Mesmo de costas vejo-o aproximar-se de mim, o pavoroso cheiro a essência de ópio! Aproxima-se. Cheira-me os fios de cabelo asa de corvo perfumados de vida, entrelaça-os aos dedos, e eu paraliso. O seu longo braço cerca-me, sufoca-me com um lenço de éter rendilhado e eu perco os sentidos. O meu corpo é transportado como uma carcaça de um animal esfolado para um qualquer covil nefasto.
Portas surdas. Após uma interminável espera que retomasse os sentidos, o homem da cartola realiza por fim que estou morta! Ao analisar com o dedo a minha jugular, sente a escassez de pulsação. O sangue que não jorrou após desferir o corte. Saiu espesso, lento... Foi inesperado! A expectação da fusão entre a lâmina e a minha carne, agora em estado de rigor mortis, resultou numa desilusão. A impossibilidade de ouvir um último suspiro, de cheirar a carne fresca e o sangue límpido.
Num estado muito avançado de cortesia, o homem da cartola fez deslizar a desiludida mão enluvada sobre o espesso sangue vertido na mesa metálica, suposto panorama da minha morte. Quando chegado o suco à pele, já frio, vibrou um arrepio de comoção.
O homem descalçou as luvas lentamente, dedo a dedo. Retirou a cartola protestante de suor. Destapou-se da capa preta que o cobria. Delicadamente, desfez o lenço envolto ao fino pescoço, despiu a camisa negra e repousou a mão extraordinariamente quente no centro da minha barriga. Fê-la caminhar, lisa e tenaz, até ao meu pescoço, agarrando-o, e aguardou. Depois deslizou novamente até ao meu ventre, até às minhas pernas e afastou-as. Num processo sobejamente rápido, o homem destituído das vestes e em êxtase, numa atitude de um desespero necrófilo, deita-se sobre o meu corpo ao mesmo tempo que nele principia uma feroz violação. O homem pensa ouvir um gemido sair-me da boca, mas rápido deduz tratar-se de um suspiro post mortem, de algum ar reservado e agora expulso, provocado pelos movimentos bruscos. Neste pavor luxuriante e enquanto me puxa os cabelos, olha-me os olhos profundamente vidrados e inanimados, e a imagem excita ainda mais a sua emoção. Desesperadamente inundado na excitação, não percebe o movimento dos meus membros. Levanto as pernas secas e com as coxas aperto ferozmente as ancas do profanador, enquanto os meus braços envolvem o pescoço dele que, como acto irreflectido, tenta desprender-se, sem sucesso. Mas a força que inflijo é atroz e desmedida. De olhar desprovido de vida e qualquer expressão, pressiono com os cotovelos o fino e frágil pescoço do delicado homem. Ele grita um grito medonho num misto de excitação, dor e horror, enquanto contempla um leve sorriso mortiço na minha boca crua que o olha. Até não existir qualquer som proveniente da garganta do homem da cartola, até deixar de existir ar para expirar dos seus pulmões. O frágil pescoço quebra entre os meus braços, e ambos, mortos amolecemos lívidos, num fluído soporífico.
Valquíria


Fotogramas do filme Phantasmagoria: The Visions of Lewis Carroll, Marilyn Manson, 2010
Post publicado n'O Bar do Ossian