Sunday 18 January 2009

BURACO NA ÁRVORE


Pessoas, pequenas colunas, gatos passam, desfeitos os pedaços gastos elaborados pela precisão. Eloquentemente acumulados os despojos estratégicos da virtude desesperada e o ritual hipnótico mecânico. Até isto é um castelo!
Depois.
Em cubos enormemente microscópicos, aniquila-se o senso de indigência em disfarçados passos sem concatenação, quando é óbvia a necessidade, se militantes sensores da lei impedirem um túnel venoso. E as individualidades cadavéricas de amarelo descorado afiguram-se a formicídeos. Passam em ruas-edifício envelhecidas pela erosão do tempo que passa demasiadamente rápido. Filas oficiosas aguardam a sopa dos pobres paga com sangue.

Antes.
De forma ridícula, distingue-se no filme a fina linha fronteiriça entre a realidade e os toscos cenários. Abstracção. Objectos familiares são rigores absurdos, imprescindíveis objectos de transposição por um mal maior. Na prata amolgada repousa o pó - tenuíssimas partículas de beleza infinda - e só isso brilha, polvilhado o mundo de descontentamentos muitos.
A vida é um mundo de olhos descontentados.
Estes repousam em cafés aguados. Repousamos cadeiras húmidas. E o homem de barbas velhas estende a manga pedinte rasgada que descobre a ponta dos dedos. E dedilhamos níquel em relevo, desconhecida a verdade que se trata afinal da terra que nas eventualidades do tempo o cobrirá. E mudos porque não queremos saber que não quereremos.
Porque o tenebroso olhar dos estranhos esconde habitualmente a nossa morte.
E as mãos. Disse porque se abstrai da própria pobreza. Porque receia este ser o seu reflexo, oferece ambíguas miudezas. A sobreposição das mãos é criatura do medo.

Valquíria




Sem título, da série O buraco na Árvore, Valquíria, 2009


Post publicado n'O Bar do Ossian

Sunday 11 January 2009

CARTOLAS DE CARNE VIVA


Para sempre ocupada a emendar pedaços partidos da minha peça interna, motor da minha vida, apareces numa onda assustadora de felicidade. Porque tudo o que revolta é pavoroso, porque me assusta o oceano que trazes em ti.
Dispuseste-me nos olhos telas que gritara nunca querer ver, na penumbra de uma sala onde sons inoportunos nos confundiram. Ouvíamos rodas e motor parados entre os nossos suores, gritos e sabores. Escreveste-me Amor nos cabelos que cobriram a ansiedade por luxúria quando me roubaste de um vampiro obscuro. E a tua assustadora multidão onde queres que me perca, onde me perco por ti... O palpitar de olhos atentos aos beijos talvez apaixonados e o nosso espaço é pálido. Momentaneamente resgatada do meu mundo de palcos de monstruosidades inócuas!
A máquina, antes languidamente cristalizada, volta a habitar o frágil quotidiano. E eu espero esperanças desesperadas, receosas. Porque a velha triste canção, esmurrada em cordas de antepassados enforcados, liquefaz-se em palavras racionalmente lógicas.
Com a tua expressão prematura de ilusionista, retiras carne viva da cartola que te acompanha o coração, e a realidade é tudo o que me mostras. A tua presença insensata, como a projecção da minha revolta, alucinou as minhas necessidades. A tua índole de beleza desprovida de ornatos extrapola a tua externa existência como um halo. Obliterei o meu passado porque és aquilo que ninguém sabe fingir em mim.

Valquíria



The Doors - Spanish Caravan, live in Europe, 1968

Ao meu homem do mar

Sunday 4 January 2009

DEMÓNIO ENTRE HUMANOS


Toby Dammit, Federico Fellini, segmento de Trois Histoires Extraordinaires d'Edgar Poe, 1968

A vida: um circo de pessoas. Pequenas. Feias. Estranhas. Pedras humilhadas, aleatoriamente colocadas nas paredes do interior da gruta humana. Quase sempre conservadas no horror liquefeito.

Valquíria