Sunday 31 August 2008

BORDERLINE MONÓLOGOS


Sou a filha, a irmã, a amiga, a colega, a conhecida, a vizinha, a foda, a companhia, só por acaso. E quando sou Pessoa?! Nesta puta de vida não consigo ser nem Pessoa!
Eu, eu e eu. Ser narcisista, megalómano das emoções alheias, contribuinte de nada. A minha alma está febril: não é minha, não sou eu. Não és tu nem aquele que não vê. O Tomás da realidade ilusória, sem som nem imagem mesmo que ficcionados! Explosão de uma fibra capilar dourada... sou mero nada!

Valquíria

BONECA DE LIXO


Belladonna (oil on board), Lori Earley, 2004

Senti a minha face de porcelana abstracta ao tocá-la.
Sei que tenho algum poder, ainda que fútil.
Algum poder carnal?
Como o que uma mulher tem sobre um homem.
Como um ser humano tem sobre outro ser humano.
Sobre seres humanos, espécie ininteligível.

Poder canibal?
O meu poder degradar-se-á algum dia.
Autofagia?
Horas, minutos – tudo o que me falta?
Aquela parede pintada de simplesmente nada.
Túlipas pretas abundam o meu íris, e traços de lírios amarelos,
laivos tenebrosos em ébano morto.
Agora olham aquela face de porcelana abstracta reflectida, empalidecida.

Valquíria

SOLILÓQUIO A MEU TIO


Uma garrafa vazia e o brilho do cristal que flutua nos teus olhos secos, vidrados. A substância corre em todas as tuas veias e posso sentir-lhe o cheiro. É um aroma de apodrecimento como se já estivesses enterrado (e estás desde que invadiste pela primeira vez o teu corpo). Se te tocasse a tua pele tornar-se-ia a minha pele. Amarela, porquê? Se é algo que não tem cor, ou vida de qualquer espécie, portanto não é mortal nem imortal. Só existe porque também exististe e por sua causa deixaste de existir... Tu e o exército seguinte na milésima guerra mundial do inconsciente humano! Foda-se! Por que as folhas caem? Porque morreram. É simples e frágil a morte, e é também ela imortal como a memória que temos de tudo o que morreu... Mortalmente imortal. E está deveras insatisfeita, a pobre!

Valquíria

Monday 25 August 2008

O QUARTO (inacabado)


Protegida pela intercepção das palavras. Estranho fenómeno. Anomalia analógica canibalesca. Paredes fétidas e escorregadias não permitem a tua entrada na sala rectangular arredondada onde cogito e me vomito. Ai, se o sexo selvático da salvia me não alimentasse a estagnação, o quão seria eu feliz naquele infeliz cubículo de três pontas aguçadas. Aguça-me o ouvido, aguça-me o paladar.

Valquíria

Sunday 24 August 2008

O POEMA DO CADÁVER

Do covil observo a tua passagem
Caminhas sobre passos arrogantes,
Sublime leve aterragem.
A voz de tons agonizantes
Transporta das entranhas ar pútrido.
Cabelos e unhas intactos.
Nos olhos, vazios putrefactos.
Tantos anos a terra há-de ter comido!

Dentes grandes, brancos, aproximam-se
Sob luz negra que a lua cheia emana.
Garras afiadas entre meus cabelos.
No meu crânio cravam-se
Os dedos que estilhaçam os meus ossos de forma inumana.
O brilho do meu córtex, já visível,
Dá vida ao olhar vazio da criatura que vislumbro.
Entre os dentes, uma língua seca, horrível,
Beija o meu cérebro húmido que o brilho deslumbro.
De todo este erotismo, nasce uma fome imortal
Pela massa mole que de meu crânio é recheio!
Num ímpeto, começa o banquete devorativo, sem receio.
E do vazio silencioso nasce um gutural,
Mas é imperceptível a sua proveniência
Por ser agora apenas uma só criatura sem consciência!

Valquíria

PORNO AGRAFIA


As flores de hoje não são o que ontem foram. Hoje o negro apodera-se dos seus tecidos vivos antecipando a sua morte precoce. A putrefacção das células simples de um tecido com tantas cores e, substancialmente, aquoso. A putrefacção da água, tão-somente! Concepção feita através de pólen afrodisíaco. Fios negros, microscópicos, carregam preciosos círculos transparentemente coloridos de todos os tons do sol. Substância regurgitada numa espécie de líquido espesso, pegajoso. E línguas percorrem-no, lentamente, húmidas, pela epiderme pálida e lisa. Lábios que sugam leite espesso, e transparente âmbar de peles púbicas femininas através de línguas do mesmo sexo.

Valquíria

A VIOLÊNCIA DE MIM, DO QUE SINTO


Untitled, Bjärne Melgaard

Pautas acordam indesejáveis mortos da cova, que se movem repletos de terra do cemitério da minha mente. Vejo-os do outro lado do vapor esverdeado que denuncia as suas recentes mortes. Assassinei peças do meu passado. Agora, desesperada, qual criminosa, tento substituir o vazio insubstituível do puzzle da minha vida. É inútil! O vazio olha-me na sua permanência, e sangra, qual ferida aberta. É uma boca esfomeada, é um olho incriminador, é uma cova vazia. Insuportavelmente ensurdecedor o silêncio do que não existe, atribuo-lhe som roubado das pautas que agora ouço. Um ninho de arame farpado... Estou isolada em objecto disforme que possuo. Na realidade que quero acreditar não ser real. Pobres penas acabadas... Não quero deixar de ter pena de me amar. A confortabilidade do desespero e da imensa e infindável tristeza que me deixa absorta de tudo. A tristeza narcísica que alimenta a minha criatividade que me alimenta a tristeza...

Valquíria