Friday 31 October 2008

HUMILHAÇÃO



In Voluptate Mors, Salvador Dalí & Philippe Halsman, 1951


Um carro fúnebre atravessa o cemitério labiríntico da nação anulada. Linha morta fátua, inebria o círculo flamejante dos Olhos da finada. E o carro caminha lentamente, perdido, sine praetensu de se aproximar da última cova. Sem se detectar um único movimento, o corpo sem vida revolta-se em fotogramas polípticos de ansiedade e desespero pelo inesperado repouso final. Sentados em veludo púrpura, os vivos que o acompanham desprezam a presença enclausurada no féretro, festejam bebidas em cristais partidos, casacos de pêlo, tecidos leves, livros de histórias de papel, concebem cenários impudicos em relevo, mamilos que espreitam as línguas que choram numa Ode orgíaca aos amados finados.
Cabeças decepadas transvestidas repousam em frascos de vidro convergente repleto de líquido conservante florescente, auto transformam o espaço, humedecido, onde as criaturas vivas se envolvem na orgia. Maquilhagem que se despega como pele da carne, despega-se como tinta velha em pestanas postiças de metal, que, podres, acompanham as feições deformadas. E ali ficou, na eterna expressão da morte, a acompanhar a gula canibal de ninguém. Ao passo que a mortalha do morto mortiço, escarlate escudado esverdeado, aniquila-se nas cinzas.

Valquíria


Post previamente publicado n'O Bar do Ossian

1 comment:

  1. Caixão nu recolhe o odor da metamorfose, esquartejado momento que a multidão aplaude e repugna. As cinzas da sementeira que os Seres não querem o reflexo

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