Tuesday 25 November 2008

SÁTIRA



Fotograma do filme Satyricon, Federico Fellini, 1969


A picotar as estranhas entranhas, animais vasculham alcatrões do interior do nosso caminho. Os animais sobejam vontade de gritar às putas mudamente. Despojam inquietudes de prostitutas palavras, lavadas no esgoto.
Humanidade! Daquilo que os nus se vestem.
Passamos em frios, pautados espaços que são o interior daqueles que nele existem e vivem em relevos, absortos, sobrevivem abortos. E na intensidade dos cheiros, doce-amarga o ácido nas tuas veias. Vertem verdes descalços, pisam vidros e, insensíveis, continuam a caminhar. Derretem mãos em mamas nádegas, desfeitas em dinheiro.
Defeitos! Daquilo que os nus se vestem.
E as eloquentes palavras vestidas de desdentadas bocas e, ainda assim, vampíricas. Querem, usam, de objectos não passam, de plástico velho, corroído, quebrado. Caro, demasiado desvalorizado. E assim subestimam o inferno que pisam.
Loucura! Daquilo que os nus se vestem.
E contam níquel nas palmas sujas, desgostos pequenos, afogam-se em misérias de trapos pestilentos e lascivos. Rosa-lhe o choque de lábios moles, cabelo de palha dourada, cascos limados de céu. Divergem os passos em tortas pernas cravadas de veias.
Cadência! Daquilo que os nus se vestem.
Comovidamente, habitam ruas de um lado ao outro, no fim e no começo, e em linhas ténues de infelicidade pelos filhos, póstumos de droga, que assombram oceânicos subconscientes. Quando facas contornam, corpos escapam à vida. Ou as mãos ensanguentadas de assassinatos. Voam vírus por canais invisíveis e clamam picotar desesperadamente a carne.
Mortalidade! Daquilo que os nus se vestem.

Valquíria


Post previamente publicado n'O Bar do Ossian

7 comments:

  1. "Não há outro inferno para o homem além da estupidez ou da maldade dos seus semelhantes."
    Marquês de Sade

    Vivemos num mundo de hipocrisias em que mesmo nus temos sempre algo a esconder. Excelente texto. Abraços.

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  2. " (...) Entreguemo-nos portanto, ousada e incessantemente, à mais insigne falsidade; olhemo-la como chave de todas as graças, de todos os favores, de todas as boas reputações, de todas as riquezas e consolemo-nos calmamente do desgosto de intrujar apenas pelo prazer de sermos malandros."

    a falsidade, segundo D. A. F. de Sade

    Vestir a falsidade. Não há inferno mais degradante que este.

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  3. Sempre bem-vindo a este humilde canto.

    Bjs

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  4. A insipidez é trajecto contínuo de muitos Seres. Raros são aqueles que correm na direcção do vulcão e se infernizam com a pureza duma demência despida mas muitos se vestem daquilo que não o são

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  5. Resulta que ser real é auto flagelante, mas há que gostar dessa dor.

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  6. Não há como o ser-se eremita, dormir no relento acolhedor da floresta, rodeado de bichos ditos perigosos que sabemos que não podem fazer-nos nenhum mal, excepto, talvez, matar-nos, o que é coisa leve comparada a outras...

    Dark kiss.

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