Friday 26 September 2008

A PÊRA VERMELHA (ou a concepção da loucura)


Encostada ao frigorífico, ao sabor ácido/amargo amanteigado, desfizeram-se conscientes tubérculos na minha língua bifurcada de amontoados desgostos. A memória inflecte a pantera ruiva no telhado que projecta o pôr-do-sol, dedos da irmã enrugados fecham caixas de plástico no meu cérebro, animal metamorfoseando-se na caixa de mágicos horrores, a mulher de branco aos pés da cama não se casa, derrete a morte. O ventre, então à porta do cubo gelado, posiciona na mão, qual estátua estática esfíngica, arrogantemente, uma leve pêra de encarnado sanguíneo, como se fosse comum. E eu grito gritos internos, abafados no abismo da loucura enquanto dedilho a pele do pescoço indiferentemente enrugada como velhos razoáveis.

Infortúnios infantis. Corro mais de uma dezena de degraus ao encontro de alguém real que me escreva na testa a verdade, enquanto toco mais uma vez o pescoço da loucura. Depois, ao som da lua, entro na montanha russa, e antes de estreitar o onírico, vou detestando aquele mosaico axadrezado de negro, amarelo e vermelho. Este choca-se com a minha visão interna, e aí encontra o cubo que me sobrepõe o encéfalo. Milhares de milhões de imagens da velocidade em persona, indigesta, indistinguíveis como patologias nas vozes da ignorância, surgem. E tudo é estranho num jardim de flores imaginárias cujas cores se adjectivam.

Quando foi o tempo em que comeste arroz de tomate com salsichas e defecaste a moeda de cinquenta centavos? O mesmo tempo em que confundiste a realidade alucinada dos sonhos verídicos, criança.

Valquíria

5 comments:

  1. Costuma começar por maçãs, mas eu diria que toda a fruta é suspeita... :)

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  2. Essa teve a sorte de ser comida e todos os nossos irmãos estão fodidos. Esta fruta não teve direito a semelhante estrelato, limitou-se a apodrecer sem ser comida... Fez-se a penicilina da laranja e todos vivemos felizes para sempre (ou não?)
    :)

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  4. Passo para te desejar uma boa continuação de inspiração, apesar de algo perdido no que leio, não tenho o reflexo, e sempre algo perplexo. Não me vou elucidar, a não ser que o faças e que tal seja possível. Nunca fui bom na explicação ou na inteligibilidade do próprio. Insensatez e desconcerto não são coincidentes com discrepância e elipses. Um beijo para ti.

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  5. Nada de errado em exorcizar os meus demónios íntimos. É bastante perceptível se quiseres vestir o meu óculo azul avermelhado…
    Entretanto, abri o envelope e tive a mais terrível das surpresas vindo de onde estás. Não és tu e não quero mais que tentes vestir o meu óculo!

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